terça-feira, 28 de novembro de 2006

Das coisas e de nós

Escrevi outro dia sobre as coisas. Hoje quero falar de gente. Mas sei que vou acabar falando de coisas de novo. Uma pena.
Cada dia mais me convenço que o mundo lá fora, que vemos e sentimos todo dia, tem mais relação com o que vai dentro de nós do que estamos dispostos a admitir.
Por exemplo, um dia de chuva, como hoje, pode ser péssimo porque o trânsito engarrafa, fica tudo molhado, enlameado, sujo. As pessoas se amontoam suando sob as marquises. Se acotovelam andando apressadas para não se molhar. Guarda-chuvas são brandidos por todos os lados. Cabeças desatentas são seus alvos principais.
Por outro lado, se estivermos dispostos, podemos ver a poesia de um dia de chuva. O cheiro de terra molhada, a sensação de frescor de uma caminhada descompromissada debaixo da chuva. Passar correndo embaixo de uma árvore, sacudir os galhos e molhar todo mundo. Andar de bicicleta ou de jipe numa estrada enlameada. Ou simplesmente a sensação de acolhimento de estar seco e quentinho em casa ou mesmo no trabalho vendo pela janela a chuva caindo lá fora.
A chuva, como o mundo, pode ser o que quisermos que seja, desde um transtorno até uma diversão. Depende de como a encaramos. O mundo que vemos depende mais dos nossos olhos do que qualquer outro aspecto.
E aí estão as origens de vários dos nossos problemas assim como suas soluções.
Estamos tão acostumados com a ética mercantil, que passamos a encarar tudo no mundo como uma relação de troca mercantil. Compramos e vendemos de tudo. Coisas e gente! Embora comprar e vender gente seja fenômeno comum e recorrente na história da humanidade, vivemos hoje uma situação extrema. No passado gente comprada e vendida era diferente. Por qualquer motivo não eram tratados como iguais, eram negros, escravos de guerra, enfim, eram diferentes. Por isso eram tratados como coisas.
Hoje, ao menos formalmente, reconhecemos que todos os homens são iguais. E, ainda sim, tratamos gente como mercadoria. Consumimos gente. E somos consumidos.
A modernidade trouxe o reconhecimento que somos mercadorias! Antes, mercadorias eram os outros. Hoje nós também somos!
E como mercadorias somos todos livres. Somos livres para tratarmos e sermos tratados como objetos.
Um probleminha só: liberdade é um conceito aplicado a seres dotados de vontade e julgamento. Objetos não têm autorização para terem vontade nem arbítrio. Não somos e nunca seremos livres enquanto formos objetos uns dos outros.
Toda a liberdade que temos hoje é a liberdade da adoração, do fetiche, deste verdadeiro culto moderno às mercadorias. Somos prostitutos. Todos. Brindemos.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial