segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Como lidar? Lição nº 3: o medo

Ao escrever essas lições tive uma epifania.
Estava pensando sobre os porquês de nós os grosseiros ensejarmos tanto temor nos corações dos cidadãos de bem. Afinal, somos ranzinzas, desagradáveis e, por vezes, causadores de constrangimento para nós e, principalmente, para nossas companhias. Mas somos também inteligentes, divertidos, irônicos, capazes de auto-crítica, conversamos sobre qualquer assunto e somos até razoavelmente bem-humorados. Afora um ou outro constrangimento eventual e a neurastenia de hábito, o que haveria de tão cáustico em nós que nos transformaria em indivíduos marcados, personas non-gratas, indesejáveis, verdadeiros párias?
Subitamente ocorreu-me num lampejo uma gradessíssima verdade: os cidadãos de bem modernos morrem de medo de nós, os difíceis de lidar, como os antepassados remotos deles morriam de medo dos antigos oráculos. É um tabu. Não se pode olhar nos olhos de quem conhece e revela a verdade. Eis o problema. Imersos em idiossincrasias, como todo mundo é bom que se diga, os cidadãos de bem têm uma relação problemática e cheia de conflito com todos aqueles que são capazes de colocar em cheque, de expor-lhes os pés de barro, as vilezas, os pequenos detalhes mais comezinhos de suas existências.
É claro que ninguém gosta de ser lembrado dos seus problemas. E também é necessário que fique entendido que o umbigo é a grande massa que controla nosso sistema de gravitação moral nos tempos atuais. E isso vale para bons e maus cidadãos. O que nos diferencia dos cidadãos de bem não é que vemos melhor nossos pés de barro. Somos todos igualmente míopes nesse pormenor. A diferença é que nós, os grossos, falamos desse assunto com menos pudor. Pudor, como é sabido, não é o nosso ponto forte.
Surge daí o conflito, o medo e o preconceito. Nós, os grossos, somos para os cidadãos normais um grupo que os enche de dúvidas. Nunca se sabe quando um grosso vai dar com a língua nos dentes e lembrar um cidadão de bem de alguma cagada que ele porventura tenha feito. E como todos as fazemos aos borbotões, todo mundo tem um rabo preso, ou solto, por aí para ser cantado em prosa e verso.
Eis aí porque, idealmente, os grossos devem ser evitados no convívio social. Porque suas opiniões usualmente expostas em espasmos verborrágicos são temidas e, por isso mesmo, respeitadas entre os cidadãos de bem.
Somos como que super-egos coletivos com tendências tirânicas, cruéis e escatológicas. Alertamos os desavisados e esquecidos daquilo que ainda há em todos nós de essencialmente humano e que os bons costumes tentam negar. Todos nós fazemos merda. Também fazemos arte, poesia e amor mas fazemos mais merda do que qualquer outra coisa.
Nós, os grossos, sabemos e lembramos disso. Os cidadãos de bem também sabem mas gostariam de esquecer. Por isso somos um grupo marcado. Temem nossa opinião, nosso juízo. Não deviam. Afinal, o mau juízo pode ser nosso mas o excesso de zelo, esse é deles. Zelo também não é o nosso forte.

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