terça-feira, 28 de novembro de 2006

O mundo em preto e branco

Olha que contra-senso: Há dias em que tenho que fazer força para ser o que sou.
Sei que há metros e metros de filosofia sobre ser. Essência e aparência, ser e existir, por aí vai.
Mas se algo ou alguém é na essência alguma coisa essa coisa deveria lhe ocorrer naturalmente, quero dizer sem esforço. Certo?
Errado. Filho de peixe, peixinho é. Não sem sofrimento, poderia-se dizer.
Ocorre que nasci aqui e aqui me criei. Da linha direta de Xangô. Citar Vinicius pode parecer cretinice mas acho que ele sofreu para ser o que era. Daí a pertinência ao tema.
Não estou falando de características obtidas tipo profissão, capacidade física, etc. Tô falando de características d'alma.
E como pode um latino ter dificuldade de lidar com o meio termo, o provisório, o subentendido, o subtexto? E a malemolência, cadê?
Há dias em que vejo o mundo preto e branco. Sem tons de cinza. De onde vem essa herança maldita?
Não me consta que haja anglo-saxões na minha ascendência. Mesmo se houvesse, os miscigenados deveriam herdar a malemolência. Pois não?
Final de verão. Acabamos de vivenciar mais uma alta temporada. Há poucas situações mais patéticas do que as encenadas por turistas nos trópicos. Imagino que a gente andando pelos States ou Europa cometa absurdos tão ou mais ridículos. Mas correr na areia fofa da praia, meio dia, sol de verão, de tênis e meia exibindo o roliço corpinho bronzeado em tons de vermelho vivo não depõe em favor do senso de ridículo do indivíduo...
Vimos muitos desses por aí. O anglo-saxão sofre com a nossa incoerência. Improvisar não é a deles. O jeitinho, então, é quase incompreensível. Um buraco-negro sociológico.
Como fazer quando a gente acorda se sentindo gringo? Como se sentir seguro num dia desses? Você andando na faixa e dando seta e um sujeito corta pela direita e entra na sua frente à esquerda sem seta com o braço indulgente estendido pela janela?
A capoeira ajuda. Mas em dias de gringo é melhor não jogar. Chute na cara dói. É melhor não arriscar.
Samba ajuda. Ouvir. Sambar não é coisa pra se tentar nesses dias. A imagem do gringo na Asa-Branca com as mão nos quadris da mulata é por demais desmoralizante pra correr esse risco.
Melhor ficar em casa. Ver um filme. Hollywood jamais! Não queremos piorar o que já está ruim. Não queremos empunhar a pá. Filme nacional. Cubano. Italiano ou francês, no máximo. Wood Allen é gringo mas pode. É tão neurótico que o preto e o branco perdem a sisudez pelo absurdo.
Dormir. E rezar para acordar pronto para voltar a pintar a aquarela das nossas vidinhas tropicais.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial