terça-feira, 28 de novembro de 2006

Impressões sobre Falcão

É de um exagero gritante o choque que o documentário do MV Bill causou na sociedade do asfalto.
Então tá: vamos combinar que tudo aquilo é novidade e que ninguém desconfiava que a miséria e a delinqüência eram assim como acabaram de nos apresentar...
Pô, ninguém lembra do menino do 175? Do que ele disse e do fim daquela história?
Estamos todos chocados. Sociedade do espetáculo é isso aí. Imprensa sensacionalista vende mais jornal. Dá mais lucro. Que cinismo medíocre!
Os comentários mais esclarecidos que tive a oportunidade de ler na repercussão escrota, cínica e puritana que está rolando dão conta de que, pelo menos, dessa vez a história nos é contada pelos seus protagonistas. É o famosos ponto de vista do nativo dos antropólogos. Legal isso. Meritório.
Mas, porra, quem não era capaz de imaginar, de sentir, que as vidas dessas pessoas é o que o documentário registra? Só levando uma vidinha de condomínio na Barra ou vivendo como avestruz se fica alheio ao que é isso. Porra, ninguém anda de ônibus nessa merda? Alguém ainda desconhece uma favela? Ninguém ouviu um funk proibidão? "Tipo, tipo, tipo Colômbia!" Vai dizer que nunca viu um episódio de abuso policial? Caralho, é muito cinismo!
Venho escrevendo e falando disso há tempos: somos todos mercadorias nessa sociedadezinha de merda que construímos. O problema é que no morro todos são artigos de loja de R$1,99. Em que a menina da favela que se prostitui por pó difere da capa da Playboy? Hein? Que aliás também deve cheirar praca!
Em que nos separa o fascínio pelo poder? O poder deles emana do fuzil e o nosso da caneta que assina o cheque. Aduladores, puxa-sacos do mundo, uni-vos porque somos todos iguais na nossa desgraça.
As meninas do morro só querem saber de quem carrega fuzil. E as meninas do asfalto? Quando não sobem o morro correm atrás de quem tem carro, casa, renda fixa, essas coisas...
Tá bom, temos gosto em descobrir o óbvio. Então vá lá:
Eles são iguais a nós! Rigorosamente iguais. Sem tirar nem pôr. Têm traumas. Têm medo. Têm ódio. Ou alguém acha que perder o pai numa operação policial, levar tapa na cara e viver sem qualquer perspectiva exposto a horas e horas de marketing consumista poderia resultar numa produção de santos?
Aliás, alguém acha que estamos produzindo santos aqui no asfalto?
Alguma coisa muito errada está acontecendo. Aqui e lá. As partes da sociedade partida não são tão desiguias assim no que se refere ao desejo de consumo, a mercantilização das relações, a inveja, a luxúria, a avareza. Por tudo que temos, por todos os anos de estudo, por usarmos vários talheres e dominarmos a norma culta da língua, somos ainda piores do que eles. Quantas chances precisamos para nos salvar?
Eles, nos mostra Falcão, não estão salvos. Mas não tiveram qualquer chance. E nós? O que podemos dizer em nossa defesa?

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