segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Biografia e Cultura

Ocasionalmente penso na vida. Não é sempre. Nem tanto que constitua uma obsessão nem tão pouco que beire à asfixia. O que não garante uma tirada brilhante. Nem evita a estupidez total.
De uns tempos para cá, desde que cismei em trasformar em tema o (meu?) individualismo, tenho pensado muito nos limites possíveis de uma biografia.
Ou, de outra perspectiva, o que temos liberdade de fazer? Até onde vai, ou pode ir, nosso universo de escolhas pessoais?
Um post do blog do Alex de Castro, o Liberal, Libertário, Libertino, (endereço no banner leio sempre aí ao lado) me mandou numa dessas viagens. Chama "A decisão de não ter filhos". No post o autor relata a incompreensão geral quando ele expressa sua opinião resumida no título. Passa então a propor uma tipologia das reações, todas contrárias, à sua convicção.
Como "pai fresco", pus-me a pensar sobre a convicção e as reações descritas pelo Alex. Imagino que em determinadas sociedades não seja concebível colocar-se essa questão: devo ou não ter filhos? Sociedades mais hierarquizadas, onde o espaço para a biografia, ou seja, para as escolhas individuais, seja mais reduzido, o "projeto de vida" dos membros contempla necessariamente alguma forma de união estável com indivíduo do sexo oposto e descendentes são esperados. A saudação "é maschio!" ou "é varão!" é suficientemente comum (e multicultural!) para entender, inclusive, que há descendências mais e menos valorizadas.
Tenho tios nascidos nas primeiras décadas do século passado que não tiveram filhos. O que indica que a nossa sociedade admite essa decisão individual. A citação "não legar aos nossos filhos a miséria deste mundo", se não me engano do Machado de Assis, indica que, ao menos por hipótese, a decisão de não ter filhos faz parte do universo de possibilidades disponível para a construção das nossas biografias, pelo menos desde o século XIX.
No entanto, o relato do Alex enfatiza a estranheza que essa decisão ainda causa entre nós. O que é bastante revelador do quanto a liberdade individual é limitada na nossa cultura. É interessante que um dos comentaristas faça referência ao desejo de ter filhos reduzindo-se após período vivendo na Alemanha. Sociedades mais individualistas, além de possibilitar mais opções para a construção das biografias, tendem a reduzir, ao tornar prosaico, as repercussões daquilo que sociedades mais hierárquicas encaram como um desvio.
Nenhum argumento parece ser suficiente para convencer os contendores. Nem o egoísmo do amor pelo nosso descendente ou da recusa a abstinência dos prazeres pessoais. Nem as preocupações ecológicas ou da assistência na velhice. As partes são irredutíveis.
Evidentemente, a liberdade individual é desejável em si mesma. E, portanto, é melhor que se possa decidir não ter filhos e, eventualmente, arrepender-se, do que ser obrigado a tê-los e arrepender-se do mesmo jeito. Afinal, temos filhos por e para nós mesmos. É uma decisão (ou um acidente) na biografia dos pais. Mas é também um evento, o primeiro e talvez mais importante deles, na biografia dos filhos! Por outro lado, não me consta que sociedades mais individualistas sejam mais bem-sucedidas ou produzam cidadãos mais felizes ou menos neuróticos que sociedades mais hierárquicas.
Fui, voltei e não cheguei a conclusão alguma. Afirmei que pensava às vezes. Não disse que chegava a conclusões...