terça-feira, 28 de novembro de 2006

Sir Salman e Mrs Rose Tea

Amavam-se. Eram inseparáveis. Incontáveis os anos de vida comum.
Ele um sr. longilíneo de feições cortantes. Destaca-se no seu rosto um nariz estreito e longo, curvado levemente para baixo. Nas suas muitas horas de leitura dependurava em seu nariz um pincenê de grau com aro redondo. Cabelos permanentemente engomados. Mãos longas e finas com unhas impecavelmente tratadas. Via-se de pronto que se tratava de alguém com educação aristocrática. Refinadíssimo nos modos e nos gostos. Impossível determinar-se-lhe a idade. Parecia há muito parado no tempo.
Ela uma sra. rotunda. Ombros largos, quadris fartos. Mãos e pés encaixados como pilões nas curtas e grossas engranagens que eram seus braços e pernas. Trazia os cabelos loiros quase sempre em um coque. Vestia-se com modos mas de maneira simples. Havia sido educada, como todos na sua família, em internatos religiosos. Conhecia as manifestações artísticas e filosóficas de seu tempo mas não valorizava os grandes feitos. Valorizava a simplicidade. O ciclo das plantas, o manejo da terra, a alquimia das receitas. Na solidão da casa, satisfazia-lhe as longas horas de trabalho dedicadas à manutenção da ordem das coisas. Ordem que lhe parecia tão natural quanto o dia e a noite, quanto às estações do ano. Assim como o sol apareceria, eventualmente, depois de uma chuva, os potes de arroz, farinha e açúcar haveriam de ser encontrados na porta de cima do armário da cozinha. Como ele, não demonstrava a idade que tinha. Mas não havia parado no tempo. Pelo contrário, era atemporal.
Sabia-se dele que vivera a Belle Epoque. Trabalhara em serviços diplomáticos. Viajara meio mundo, ida e volta.
Sabia-se dela que vivia de casa para a igreja, da igreja para casa. Isso quando retornara à casa da família. Enquanto esteve fora, estudando, esse roteiro resumia-se a cruzar o pátio interno da escola. Afinal, morava e estudava na igreja.
Encontraram-se numa apresentação musical na Igreja Matriz. Ela fora acompanhando seus pais e irmãos. Em deferência ao convite do padre porque ao evento precedeira missa presidida pelo Arcebispo. Ele fora só, convidado pelo eminente músico francês que re-inauguraria o piano da catedral. Conheciam-se dos seus anos parisienses.
O êxtase religioso dela antecedeu o êxtase musical dele. Mas ambos foram antevistos na entrada da igreja. Viram-se. E do olhar de um de outro brilhou a esperança dos êxtases imediatos e futuros, principalmentes destes, dos muitos êxtases que viriam.
E vieram. Tinham que vir. Foram tomados por um tal amor que não haveria impedimento que não pudessem mover. Por fim, casaram-se.
Não tiveram filhos. Filhos, embora, façam-se simplesmente, não adicionam simplicidade à vida. E para fazê-los, não ajuda o pincenê.
Ninguém jamais entendeu o que os atrai um ao outro. Mas sujeitos à mão de ferro do seu amor, embora eles próprios não o compreendam, obedecem.

Limites

Em viagem recente cruzei limites. Atravessei a fronteira entre estados. Mudei de clima: litoral, cerrado e caatinga. Saí do raio de cobertura do meu celular. Trabalhei mais do que devia. Perdi a confiança. Enraiveci-me. Entediei-me.
E de todos os limites que atravessei, incrível, não notei nenhum.
Da fronteira, marcada no mapa, na estrada não havia sinal. Aliás, da estrada, por vezes, também não havia sinal.
O clima mudou mas não sei bem quando. Não havia placas.
Do celular recebi notícia quando já era tarde. Tecnologia alemã não funciona no sertão.
Aparentemente só eu percebia meu cansaço. Quem por pouco me mantinha por lá queria cada réstia de atenção que pudesse ter.
Soube depois que já naquela data a confiança que inspirava era pouca e perdi a minha. A própria e a empenhada.
Nada do que pretendia alcancei.
Nada do que queria pude fazer.
Entre mortos e feridos, nos salvamos todos.
Mas qual o propósito?
Viver, afinal, é um meio para um fim? Ou é um fim em si mesmo?
Se for um meio me falta fim. E vice versa.
Limites existem.
Os conceituais são fáceis de entender.
Para os outros é preciso bem mais que mapas.

De serviços e vaselina

Quanto mais rica a sociedade maior é a oferta e a demanda de serviços.
Pois, então, primeiro massificamos a produção. E enriquecemos. Por outro lado, passamos a produzir porcaria. E pra vender porcaria só dando uma vaselinada antes, né?! Daí a necessidade de mais serviços.
No futuro, boa parte dos trabalhadores serão empregados na atividade de passar vaselina.
O problema é que passar vaselina é mais complicado do que trabalhar numa linha de produção. Precisa de talento.
Serviço não dá pra estocar. Nem verificar a qualidade antes de consumir. Ou seja, pra passar veselina com qualidade é preciso passar direito, com um sorriso no rosto. Não tem como errar, apagar tudo e tentar de novo depois.
Outro dia utilizei os serviços de uma cia aérea. Nenhuma dessas de que se fala todo dia. Genérica.
O avião voava direitinho. O destino chegou sem susto. Mas não dá pra dizer que o serviço ajudou...
Não fosse a minha companhia no vôo, a viagem teria sido ruim.
Michellen. Era o nome da aeromoça.
Logo na chegada Michellen deixou claro que não estava muito contente. A mocinha do check-in tinha dito que não havia janela disponível. E quando chegamos no avião, surpresa (!), meu assento era na janela. A má notícia era que ficava na saída de emergência. Mas como adoro voar, fico igual criança quando ando de avião, pra mim tudo bem desde que fosse janela.
Como não consigo me controlar, fiz um comentário besta dando a entender que tinha medo de voar, (logo eu!) e, pior ainda, de operar a saída de emergência.
Foi o que bastou pra Michellen botar as unhas de fora. Só faltou me chamar de bebê chorão. Aliás, acho que ela chamou! E, pelo resto do vôo, Michellen foi sarcástica comigo. Acho que ofereceu babador quando serviu o sanduíche!
Passei a me referir a ela como Michellen, the stewardess from hell!
Comprei um presente pra Michellen. Achava que a encontraria na volta. Mas não. Nunca mais a vi.
Uma pena. Comprei uma garrafinha miniatura de uma cachaça chamada "Na Bunda" pra ela. Pretendia dizer: "E aí, Michellen, vai Na Bunda?"
Pelo jeito Na Bunda pra Michellen nada.
Vai ver que era por isso o mau humor. Faltou Na Bunda!
Vejam só que coisa. Mudei o sentido de determinação usual.
Faltando Na Bunda, passar vaselina fica mais difícil.
E vice-versa!
Naturalmente!

Sonhos

O que sonha uma pessoa normal?
Por sonho não me refiro às aspirações nem a julgamentos estéticos e tampouco à guloseima. Quero falar das manifestações psíquicas do sono como é referido pelo pai de todos. O dos burros, não O dos céus nem o das mãos.
Podem perguntar: "e por pessoa normal a que te referes?"
Claro que essa é uma questão polêmica. Não me refiro à normalidade canônica, de manual. Não acho que os normais de manual existam. Sim, também eu já cheguei à modernidade. Só minha cara é de neandertal. Sei que desde o século XIX não se admitem mais normalidades de manual. Família nuclear, patriarcal, essas coisas...
E daí, o que quero dizer com "pessoa normal"? Algo assim: Pessoas que fazem ou fizeram análise (o pretérito perfeito talvez não venha ao caso já que "as altas" do meu conhecimento não depõem em favor dos seus respectivos analistas, mas vá lá que essa impressão possa ser resultado de irremediável inveja), razoavelmente esclarecidas (o que não tem nada a ver com estudo formal. Estudo formal mais prejudica a sanidade do que qualquer outra coisa) e que não vão morrer de doenças degenerativas relacionadas ao stress nem às várias somatizações possíveis e imagináveis.
O tamanho do parágrafo é diretamente proporcional à dificuldade com o conceito e indiretamente proporcional à sua precisão. E, claro, de inteira responsabilidade deste que o comete e que não sabe dividir parágrafos.
Não faz mal. Quer dizer, faz. Torra a paciência de quem lê. Perdoem-me, leitores. Mas minha angústia, nesse caso, é maior que a pudicícia. Ao contrário do que pensam alguns dos meus críticos (críticos no sentido de espectadores das minhas peripécias, não de detratores da minha performance).
Essa última qualidade das pessoas normais é, claro, verificável apenas post mortem. Mas isso não invalida a definição porque meu interesse não é preditivo. E depois de morto os esqueletos do armário aparecem mais fácil o que permite uma avaliação ainda melhor da normalidade do indivíduo. Eu sei que esse é um método questionável mas não acredito em conceitos apriorísticos. Não sou dedutivo. Sou orientado para os meus fins. Teleologia. Esse é o nome do jogo.
Dê ao sujeito hipotético "pessoa normal" as características que melhor lhe aprouver. Todo mundo conhece uma pessoa que julga normal. Ou não? Eu conheço. Pelo menos, acho que é normal, sei lá. Imagino que a pessoa que considero normal seja tomada por louca pela maior parte dos mortais... Mas vá lá que isso é do jogo. Não almejo concordância.
O que será que essa pessoa sonha?
Se os sonhos comunicam conteúdos do nosso subconsciente, o que comunica o subconciente de alguém que não tem nada a esconder de si mesmo? Flores, grama verde, banho de mar e céu azul?
Não faço a menor idéia. Alguém por aí tem alguma sugestão?
E antes que alguma pobre alma reclame da perda definitiva de todas as suas ilusões, nunca falei que eu era normal, muito pelo contrário. E nos meus sonhos flores, grama verde, banho de mar e céu azul são mais raros do que as tais pessoas normais.

Impressões sobre Falcão

É de um exagero gritante o choque que o documentário do MV Bill causou na sociedade do asfalto.
Então tá: vamos combinar que tudo aquilo é novidade e que ninguém desconfiava que a miséria e a delinqüência eram assim como acabaram de nos apresentar...
Pô, ninguém lembra do menino do 175? Do que ele disse e do fim daquela história?
Estamos todos chocados. Sociedade do espetáculo é isso aí. Imprensa sensacionalista vende mais jornal. Dá mais lucro. Que cinismo medíocre!
Os comentários mais esclarecidos que tive a oportunidade de ler na repercussão escrota, cínica e puritana que está rolando dão conta de que, pelo menos, dessa vez a história nos é contada pelos seus protagonistas. É o famosos ponto de vista do nativo dos antropólogos. Legal isso. Meritório.
Mas, porra, quem não era capaz de imaginar, de sentir, que as vidas dessas pessoas é o que o documentário registra? Só levando uma vidinha de condomínio na Barra ou vivendo como avestruz se fica alheio ao que é isso. Porra, ninguém anda de ônibus nessa merda? Alguém ainda desconhece uma favela? Ninguém ouviu um funk proibidão? "Tipo, tipo, tipo Colômbia!" Vai dizer que nunca viu um episódio de abuso policial? Caralho, é muito cinismo!
Venho escrevendo e falando disso há tempos: somos todos mercadorias nessa sociedadezinha de merda que construímos. O problema é que no morro todos são artigos de loja de R$1,99. Em que a menina da favela que se prostitui por pó difere da capa da Playboy? Hein? Que aliás também deve cheirar praca!
Em que nos separa o fascínio pelo poder? O poder deles emana do fuzil e o nosso da caneta que assina o cheque. Aduladores, puxa-sacos do mundo, uni-vos porque somos todos iguais na nossa desgraça.
As meninas do morro só querem saber de quem carrega fuzil. E as meninas do asfalto? Quando não sobem o morro correm atrás de quem tem carro, casa, renda fixa, essas coisas...
Tá bom, temos gosto em descobrir o óbvio. Então vá lá:
Eles são iguais a nós! Rigorosamente iguais. Sem tirar nem pôr. Têm traumas. Têm medo. Têm ódio. Ou alguém acha que perder o pai numa operação policial, levar tapa na cara e viver sem qualquer perspectiva exposto a horas e horas de marketing consumista poderia resultar numa produção de santos?
Aliás, alguém acha que estamos produzindo santos aqui no asfalto?
Alguma coisa muito errada está acontecendo. Aqui e lá. As partes da sociedade partida não são tão desiguias assim no que se refere ao desejo de consumo, a mercantilização das relações, a inveja, a luxúria, a avareza. Por tudo que temos, por todos os anos de estudo, por usarmos vários talheres e dominarmos a norma culta da língua, somos ainda piores do que eles. Quantas chances precisamos para nos salvar?
Eles, nos mostra Falcão, não estão salvos. Mas não tiveram qualquer chance. E nós? O que podemos dizer em nossa defesa?

O mundo em preto e branco

Olha que contra-senso: Há dias em que tenho que fazer força para ser o que sou.
Sei que há metros e metros de filosofia sobre ser. Essência e aparência, ser e existir, por aí vai.
Mas se algo ou alguém é na essência alguma coisa essa coisa deveria lhe ocorrer naturalmente, quero dizer sem esforço. Certo?
Errado. Filho de peixe, peixinho é. Não sem sofrimento, poderia-se dizer.
Ocorre que nasci aqui e aqui me criei. Da linha direta de Xangô. Citar Vinicius pode parecer cretinice mas acho que ele sofreu para ser o que era. Daí a pertinência ao tema.
Não estou falando de características obtidas tipo profissão, capacidade física, etc. Tô falando de características d'alma.
E como pode um latino ter dificuldade de lidar com o meio termo, o provisório, o subentendido, o subtexto? E a malemolência, cadê?
Há dias em que vejo o mundo preto e branco. Sem tons de cinza. De onde vem essa herança maldita?
Não me consta que haja anglo-saxões na minha ascendência. Mesmo se houvesse, os miscigenados deveriam herdar a malemolência. Pois não?
Final de verão. Acabamos de vivenciar mais uma alta temporada. Há poucas situações mais patéticas do que as encenadas por turistas nos trópicos. Imagino que a gente andando pelos States ou Europa cometa absurdos tão ou mais ridículos. Mas correr na areia fofa da praia, meio dia, sol de verão, de tênis e meia exibindo o roliço corpinho bronzeado em tons de vermelho vivo não depõe em favor do senso de ridículo do indivíduo...
Vimos muitos desses por aí. O anglo-saxão sofre com a nossa incoerência. Improvisar não é a deles. O jeitinho, então, é quase incompreensível. Um buraco-negro sociológico.
Como fazer quando a gente acorda se sentindo gringo? Como se sentir seguro num dia desses? Você andando na faixa e dando seta e um sujeito corta pela direita e entra na sua frente à esquerda sem seta com o braço indulgente estendido pela janela?
A capoeira ajuda. Mas em dias de gringo é melhor não jogar. Chute na cara dói. É melhor não arriscar.
Samba ajuda. Ouvir. Sambar não é coisa pra se tentar nesses dias. A imagem do gringo na Asa-Branca com as mão nos quadris da mulata é por demais desmoralizante pra correr esse risco.
Melhor ficar em casa. Ver um filme. Hollywood jamais! Não queremos piorar o que já está ruim. Não queremos empunhar a pá. Filme nacional. Cubano. Italiano ou francês, no máximo. Wood Allen é gringo mas pode. É tão neurótico que o preto e o branco perdem a sisudez pelo absurdo.
Dormir. E rezar para acordar pronto para voltar a pintar a aquarela das nossas vidinhas tropicais.

O imbecil solícito

Todo mundo conhece pelo menos um imbecil. Qualquer sujeito, no mundo inteiro e em qualquer época, terá mais dificuldade em responder de supetão qual a cor do sapato que está usando do que em recitar o nome de um imbecil do seu conhecimento. Salvo, é claro, por constrangimento (há um best seller novo na praça intitulado "Como trabalhar para um idiota" ou algo parecido) ou porque não consegue se decidir, entre os idiotas que conhece, qual é aquele que merece ter seu nome registrado para a posteridade.
Ouvi uma história, não faço idéia se verídica, que atribui ao Delfim o seguinte raciocínio: Os indivíduos são egoístas. Por isso, quando ouvem ou lêem algo que não entendem atribuem ao autor da mensagem grande inteligência ao invés de admitirem a própria ignorância. A crueldade da lógica seguramente reforça a veracidade da história...
Vista pelo avesso a historieta acima pode iluminar a onipresença do imbecil. Egoístas, tendemos a enxergar idiotia por todos os lados exceto quando olhamos no espelho. Pode ser. Afinal, o problema são os outros. Mas e se reconhecermos nossa própria idiotia? Pagando regiamente nossos analistas e olhando fixamente para nossos umbigos uma, duas ou até três vezes por semana não poderíamos, enxergando imbecilidade até nos nossos próprios espelhos, ver a verdadeira face dos imbecis?
É fato: todo mundo já pisou na jaca. Ou seja, somos ou já fomos imbecis aos olhos de alguém. O que permite a qualquer um falar com propriedade dos idiotas que conhece. Suspeito que a fofoca surgiu daí.
Há imbecis de todos os tipos e para todos os gostos. Há os famosos, os da TV, os da política. Alguns tornam-se lendários como o Conselheiro Acácio. Há autores que têm fixação pelos seus imbecis prediletos. Nelson Rodrigues falava muito sobre um tal Luvizaro. Há também o imbecil anônimo. Aquele do dia a dia. O da trombada na rua, do ônibus errado, da fechada no trânsito. Há mesmo os que viram celebridade instantâneas tipo a baranga que dançou com o Bono, ele próprio um imbecil e tanto. E o marido dela, o corno do ano? Teve a própria imbecilidade exposta e coroada por uma par de chifres no embalo da idiotia da mulher. Esse aí vai pro céu dos cornos...
Mas não há pior do que o imbecil solícito. Aquele mesmo que a gente só não xinga porque o idiota é bonzinho. Esse tipo de imbecil tem uma certa propensão a descobridor da pólvora. Grande inventor da roda, o imbecil solícito é humilde. Um tímido. Todas as suas idéias brilhantes são apresentadas como sugestões obsequiosas. Aparentemente o imbecil solícito é um animal em extinção. Não que a imbecilidade esteja em baixa. A solicitude é que está démodé. Os que restam continuam a atazanar a nossa vida. Passam por inteligentes. Afinal, a pólvora e a roda não são redescobertas todo dia. E, como o Delfim tem razão, há sempre um séquito de idiotas prontos para admirar as redescobertas do imbecil solícito.
E o pior é que não podemos fazer nada já que qualquer condenação ou imprecação proferida contra imbecil solícito volta-se imediatamente contra seu autor. Como cuspir pra cima. Um sujeito tão solícito é sempre uma unanimidade. O que fazer? Não nos resta muita esperança. Exceto, talvez, desejar secretamente que a mulher do imbecil solícito vá ao show do U2...

Mau Humor

O mau humor é uma praga devastadora.
Já disse aqui antes que há mais de nós na nossa percepção do mundo do que estamos dispostos a admitir.
Para mim há períodos em que o mundo alterna tons de cinza. Escuro.
Essa semana, por exemplo, foi Flórida! Choveu o tempo todo. E não teve cheiro de terra molhada que amenizasse a situação...
Em casa, alagamento. No trabalho, terremoto. Esporro de amigos. Sinal vermelho.
Teve até troca de tiro perto do meu trabalho hoje. A nota irônica é que um dos bandidos levou um tiro na bunda!
Muitos desejos. Parcos são os meios de realizá-los.
Espero que meu humor melhore no fim-de-semana.
E, São Pedro, desliga a torneira aí, pô! É verão. Janeiro. Uma semana de chuva em Janeiro é sacanagem.

Natureza, cultura e bronzeamento artificial

Não há mesmo muito de natural na humanidade. Tudo é cultura. Não é que nosso corpo e suas funções vitais sejam culturais. Todo mundo faz côco. Mas desde que damos nomes às coisas elas se tornaram linguagem e, portanto, podem tomar significados e interpretações independentes delas mesmas. Ou seja, o problema não é cagar. O problema começa quando começamos a falar disso. Como estou fazendo aqui. Eu tenho gosto em me meter em encrenca.
Tem gente que acha que o corpo é feio. Já disse antes que a civilização começa quando macaquinhos pudicos começam a se afastar dos outros para fazerem suas necessidades sozinhos e sossegados. E achando tudo feio criaram a moral e os bons costumes.
Você, pobre leitor, convive com esses macaquinhos. E, por isso, pode e vai ser constrangido através de toda sorte de instrumentos coercitivos a comportar-se como eles querem. Atenção, com o grifo. Não disse somente "comportar-se como eles" porque é bem sabido que os macaquinhos, em sua imensa maioria, são adeptos ferrenhos do "façam o que eu digo não o que eu faço".
É isso aí, pessoal! Somos constrangidos a nos enquadrar num código de conduta culturalmente dado que foi elaborado para negar aspectos variados da nossa humanidade, dos nossos desejos e necessidades. Queiram ou não queiram.
Esses códigos, dados seus diferentes graus de anti-naturalidade, podem mesmo nos levar à loucura. Há muito macaquinho doido por aí! Desconfio que o próprio conceito de loucura, que nomeia algo abstrato e portanto só pode criado e compreendido através da linguagem, tenha relação com uma tentativa dos macaquinhos de excluir, às vezes pela eliminação física, tipo "fogueira neles!", alguns dos seus confrades e compatriotas.
Negação e loucura ou fogueira. Essa é a escolha. Façam as suas. Eu fiz a minha e tô indo comprar bronzeador.

Os impossíveis

Obra de ficção. Qualquer semelhança com pessoas ou situações reais é mera coincidência.


Acordei errado hoje. Fui dormir brigado com o despertador. Resultado: de manhã ele não me chamou.
Lições da vida de solteiro nº 152: objetos inanimados são chamados assim porque não se mexem sozinhos.
Corolário nº1: despertadores não tocam se não forem ligados previamente.
Corolário nº2: temos sempre que saber, de noite, a que horas vamos ter que acordar na manhã seguinte.
Que merda...
Acordei tarde e do lado errado da cama. O lado mais longe do banheiro e do chinelo.
Esquentou de novo. Mas a gripe ainda não passou... E domingo, segundo a previsão, vai chover.
O fundo do poço não é o limite.
Meu espelho também acordou errado. Ele está cubista hoje. Tá de sacanagem comigo, o filho da puta. Bom, ou bem ele está cubista ou eu tô mesmo péssimo...
Foi o dendê. Pronto! Meu dia já começou a melhorar. Descobri um culpado!
Dor de barriga. Foi o dendê. Definitivamente. Ai...
Banho quente. Bem quente. Vou afogar o puto do espelho em vapor...
Os ingleses escolheram bem onde iam morar. Imagina as inglesas vistas sob a luz do mediterrâneo. Melhor mesmo olhar pra elas no fog londrino. Pode até ser que tenha havido uma colônia saxônica no sul da França. Só que não vingou... Darwin aplicado.
Muita roupa pra lavar. Pouca roupa pra vestir. Belo lema. Como será que se escreve isso em latim?
Logo cedo sou questionado sobre as possibilidades. Será que é possível? É possível isso?
Hoje digo logo: Não é possível. O que eu não sei... Mas hoje não é possível. Foi o dendê. Tudo culpa dele.
O mundo vai acabar. A humanidade não está com nada. Somos todos inúteis. O Congresso tá podre. O governo acabou. E digo mais, tudo foi culpa do dendê.
O dendê é a última fronteira da incivilidade. A sociedade deve ter começado quando um grupo de macaquinhos pudicos aprenderam a fazer suas necessidades longe uns dos outros. Essa é a mais remota linhagem das senhoras da sociedade.
A igreja surgiu quando escreveu em pedras essa grande verdade: Não verás as vergonhas dos seus semelhantes.
O povo, que como sabemos descende de uma outra linhagem de macacos, uito menos pudicos, insiste em viver entre os demais. E não escondem suas vergonhas. Nem com a ameaça de fogueira. E, pior, inventaram de comer dendê. A partir daí, descemos a ladeira.
Mas nos vales do mundo, por incrível que pareça, o dendê tem seus préstimos. Por exemplo, o dendê deve estar metido na origem do carnaval. De algum jeito, quando tudo dá errado, o dendê tem culpa, certo? O carnaval como todo mundo sabe é uma espécie de festa do contrário. Fica tudo de ponta cabeça. O Rei Momo é um representante da plebe. Aquela gente feia e gorda...
Se assim é, o dendê deve ter algo a ver com isso. Não me perguntem como, nem se é possível. Tudo que sei é que o dendê é culpado. Senão pelos descaminhos da humanidade, pelo menos pela minha dor de barriga! E isso me basta. Eu sou um homem em busca de verdades simples...

Das coisas e de nós

Escrevi outro dia sobre as coisas. Hoje quero falar de gente. Mas sei que vou acabar falando de coisas de novo. Uma pena.
Cada dia mais me convenço que o mundo lá fora, que vemos e sentimos todo dia, tem mais relação com o que vai dentro de nós do que estamos dispostos a admitir.
Por exemplo, um dia de chuva, como hoje, pode ser péssimo porque o trânsito engarrafa, fica tudo molhado, enlameado, sujo. As pessoas se amontoam suando sob as marquises. Se acotovelam andando apressadas para não se molhar. Guarda-chuvas são brandidos por todos os lados. Cabeças desatentas são seus alvos principais.
Por outro lado, se estivermos dispostos, podemos ver a poesia de um dia de chuva. O cheiro de terra molhada, a sensação de frescor de uma caminhada descompromissada debaixo da chuva. Passar correndo embaixo de uma árvore, sacudir os galhos e molhar todo mundo. Andar de bicicleta ou de jipe numa estrada enlameada. Ou simplesmente a sensação de acolhimento de estar seco e quentinho em casa ou mesmo no trabalho vendo pela janela a chuva caindo lá fora.
A chuva, como o mundo, pode ser o que quisermos que seja, desde um transtorno até uma diversão. Depende de como a encaramos. O mundo que vemos depende mais dos nossos olhos do que qualquer outro aspecto.
E aí estão as origens de vários dos nossos problemas assim como suas soluções.
Estamos tão acostumados com a ética mercantil, que passamos a encarar tudo no mundo como uma relação de troca mercantil. Compramos e vendemos de tudo. Coisas e gente! Embora comprar e vender gente seja fenômeno comum e recorrente na história da humanidade, vivemos hoje uma situação extrema. No passado gente comprada e vendida era diferente. Por qualquer motivo não eram tratados como iguais, eram negros, escravos de guerra, enfim, eram diferentes. Por isso eram tratados como coisas.
Hoje, ao menos formalmente, reconhecemos que todos os homens são iguais. E, ainda sim, tratamos gente como mercadoria. Consumimos gente. E somos consumidos.
A modernidade trouxe o reconhecimento que somos mercadorias! Antes, mercadorias eram os outros. Hoje nós também somos!
E como mercadorias somos todos livres. Somos livres para tratarmos e sermos tratados como objetos.
Um probleminha só: liberdade é um conceito aplicado a seres dotados de vontade e julgamento. Objetos não têm autorização para terem vontade nem arbítrio. Não somos e nunca seremos livres enquanto formos objetos uns dos outros.
Toda a liberdade que temos hoje é a liberdade da adoração, do fetiche, deste verdadeiro culto moderno às mercadorias. Somos prostitutos. Todos. Brindemos.

Das paradas e das coisas

Ouvi uma vez um comentário sobre o vocabulário limitado dos jovens. Afora o preconceito evidente de qualquer comentário que segmenta um grupo e torna exótico seu comportamento e o fato de eu me incluir no segmento, pelo menos da perspectiva do meu interlocutor, pareceu-me essencialmente correta a afirmação, ainda que discorde das conseqüências mais apocalípticas previstas por ele.
Temos que confessar que substantivos como "coisa", "parada" e "treco", além dos seus diminutivos, denominam, para a nossa geração, uma imensa gama de objetos, materiais e imateriais. E adjetivos como "maneiro" e "sinistro", entre outros, servem, às vezes ao mesmo tempo, como elogio, crítica e/ou apenas como interjeição. Sinistro!
Na versão apocalíptica do meu interlocutor, a humanidade estaria regredindo e eventualmente perderia a capacidade de se comunicar. E, como o pensamento depende da linguagem, perderíamos, no limite, a capacidade de pensar. Caraca!
É evidente que discordo dessas conclusões. A linguagem, assim como os demais aspectos da cultura, são vivos. Mudam diante da necessidade. Palavras e significados novos são construídos pelo uso. Enquanto nos relacionarmos uns com os outros, mesmo que com intermediação eletrônica, vamos usar e abusar da linguagem em função de comunicarmos nossas idéias, anseios, angústias, desejos, humores e demais sentimentos e informações que compartilhamos. Para tudo isso e para nos identificarmos como grupo, mudamos a linguagem tanto quanto necessário. Se significados e palavras caem em desuso, outros tantos passam a ser usados no seu lugar. Aê!
Ou seja, enquanto houver tetéias, gatinhas, potrancas ou cachorras passeando por aí haveremos de encontrar um jeito de comunicar-lhes nosso galanteio, cantada ou chaveco. Maneiro!
O perigo está na mudança do padrão das relações que estabelecemos entre nós. Esse sim está mudando para pior. E linguagem e demais aspectos da cultura não têm nada a ver com isso. Mas sobre isso escrevo outro dia porque o tema é brabo. Putz!

Almoço com amigos no mundo bizarro

Ficção. Qualquer semelhança com situações reais é mera coincidência.
Personagens:
Vel: Baixinha e redonda. Meio atrapalhada. Vive derrubando coisas. Tímida e insensível. Sente-se perdida nesse mundo de homens.
Dadinha: Desbocada e insolente. Faz o tipo "gentileza é o caralho". É a mais velha do grupo mas faz questão de parecer mais nova.
Paulista: Executivo de finanças. Frustrado. Nunca acertou a jogada para ficar milionário. Extremamente organizado. Usa gel no cabelo.
Uê: Um gentleman. Mesquinho. Dono de mentalidade pequeno burguesa e de um fusca azul bebê que ele chama de "Possante".

Cena 1 - Restaurante

Vel: - Putz. Tá cheio, né?!
Recepcionista: - Vcs querem bolinho de bacalhau enquanto esperam?
Paulista: - É de grátis?
Uê: - De graça ela não te dá nem sorriso!
Dadinha: - Ô gentileza!
Paulista: É de grátis, meu! Tá incluído no bufê.
Todos: - Ah, é!
Recepcionista (pensando): Por que esse engomadinho não tira o olho do meu decote?"
Vel: - Paulista, como era mesmo aquela história do veneno do sapo?
Paulista: - O meu amigo falô que tomou o negócio duas vezes. Na primeira ele mudou de emprego. Na segunda ele pegou uma mulerão que só vendo.
Vel: - Ah, eu vou experimentar esse negócio. Tô precisando...
Uê: - Como assim "precisando"? Não acredito!
Vel: - Ué, tô precisando! Todo mundo tá precisando. Já até perguntei pro meu terapeuta...
Dadinha: - Qual deles? O da psicanálise ou o do templo?
Vel: - Do templo, claro.
Uê: - Terapeuta do templo?
Vel: - É um Shaman siberiano que eu conheço. Conheci através da Rebu.
Uê: - Sei... Aquele da história do tambor...
Dadinha: - Vambora, todo mundo. Tá todo mundo meio deprimido mesmo.
Uê: - Lá vem vcs com esses papos cabeça!
Dadinha (segurando o riso): - Cabeça? Qual delas?
Uê: - Bina!
Vel: - Vcs agora tão falando em código?!
Dadinha: - Esse doido agora deu p me chamar de caminhoneira. Imagina: Sula Miranda! Mas o maior caminhoneiro aqui é ele mesmo! Bino!
Uê: - Certo. E todos são testemunhas que eu é que inverti as cabeças...
Recepcionista (solícita): - Desculpem a demora. Acabou de vagar uma mesa, vamos entrar?
...

Na mesa

Garçom: - Bebidas senhores?
Paulista: - Ocê tem suco de que?
Enquanto o garçom desfia uma lista interminável de opções é interrompido por Dadinha:
- Eu quero um de hortelã com abacaxi.
Paulista: - Eu também.
Dadinha: - Ai, eu peguei a mania dele. Hortelã com abacaxi!
Garçom: - E a Srta?
Vel: - ...
Dadinha: - Uê, você tá paquerando a Vel?
Uê (envergonhado): - Tô esperando a Vel me liberar a consciência para pedir um chope!
Dadinha (jocosa): - Seja homem!
Vel: - Vai me dá um chope...
Uê: - Dois!
Paulista e Dadinha levantam-se para se servirem.
Uê: - Olha que bonitinho. Dois "hortelãs com abacaxi". E agora se servindo juntos...
Vel: - Imagina só!
Uê: - Eles bem que combinam...
Vel: - É. A Dadinha é uma figura.
Uê: - E o Paulista, nem precisa de apresentações. Figura carimbada.

Na sobremesa

Uê: Paulista, conta aí a história da massagem.
Paulista: - Cês não sabem! Aconteceu de novo!
Dadinha: - O que?
Paulista: - Fui na massagista e ela começou a arrotar enquanto me fazia massagem!
Uê: - Ah não! De novo? Era a mesma?
Paulista (inconformado): - Não. Era outra.
Dadinha: - Como assim, de novo?
Paulista (vermelho de vergonha): - Tinha uma outra mulé que arrotava porque não digeriameus conceitos. Agora essa outra fez igual. E disse que podia ser pior.
Vel (mal segurando o riso): - Pior?
Paulista: - É porque se não arrotasse podia ter saído por baixo. Ou então ela ia inchar!
Uê (em meio a gragalhadas): - Imagina a cena: a massagista, de repente, começa a subir feito um balão!
Paulista: - É por isso que eu vou no sapo!
Dadinha: - Para curar flatulência?!?
Uê: - Sula!
Dadinha: - Ah, não! Quem falou de gases foi o Paulista! Me poupem!

A medida de todas as coisas

Caraca! Quem quer que tenha sido o inventor do individualismo jamais poderia ter imaginado onde sua brilhante idéia nos levaria. Se imaginou era um tremendo filho da puta!
Evidentemente, não faço aqui, nem em lugar algum, apologia do teocentrismo ou qualquer outra forma de negação da liberdade individual. Mas que a liberdade individual já foi longe demais, isso é fato!
Tem de haver algum realismo. Não dá para esperar que a ordem perfeita da humanidade advenha da escolha individual das pessoas sobre todas as coisas. Há muito o que escolher, cara! E agente não consegue escolher eficientemente nem a meia que combina com nossa camisa! Sem falar das gravatas que complicam sobremaneira o assunto!
E mais, se somos a medida de todas as coisas, jamais saberemos se fizemos as escolhas certas. Ou você nunca mudou de idéia?
Um exemplo: Tentei comprar calças ontem. Não me decidi sobre a cor, estilo nem ao menos sobre o tamanho correto. Uma me parecia muito apertada e a numeração imediatamente superior ficou grande pra caralho! Desisti. Se sou a medida de todas as coisas como é que não há uma porra de calça na loja que me sirva?
Acho que o que eu tô querendo por esses dias é uma volta ao útero... Um lugar confortável, quentinho, sem aporrinhação, sem ter que escolher roupa, comida, sabonete, pasta de dente...
É... Tô carente.

Saudações

Salve!
É isso aí, amiguinhos e amiguinhas. Criei um blog.
Acertam aqueles que acham que essa atitude é fruto de uma mente desocupada que passa várias horas do dia em frente ao computador.
Acertou novamente quem aposta que essa joça não vai ser lida por ninguém.
E se você, querido leitor, acertou todas acima, deixe uma dica aí na seção "comentários" sobre a loteria. Ajudaria muito. Agradeço desde já.
Sejam bem-vindos ao meu blog. Comentários, sugestões, anedotas, receitas de bolo são todos bem-vindos.
Beijo para que é de beijo e abraço para os demais.